Tribunal de Justiça recupera documentos da escravidão

Concessões de alforria e venda de escravos fazem parte das 243 páginas
restauradas do acervo da comarca de Humaitá

Manaus, 24 de Maio de 2013
ROSIENE CARVALHO

Livros antigos do Tribunal de Justiça mostram escrituras de alforria e
venda de escravos (Euzivaldo Queiroz)


Comércio de escravos, concessão de alforria e veneno em páginas de
livros de cartório. Esses são os primeiros registros do final do
século 19 que a Comissão Permanente de Avaliação de Documentos (CPAD)
do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) começa a revelar sobre a
vida no interior a partir da recuperação de documentos históricos que
estavam literalmente entregues às traças nas comarcas dos rincões do
Estado.

A restauração das primeiras 243 páginas dos registros de bens e
imóveis do Município de Humaitá (a 590 quilômetros a sudoeste de
Manaus) mostra detalhes dos costumes da época e das relações sociais
no interior. Os documentos abrem uma janela para que a história do
Amazonas, a partir dos registros do Judiciário, possa ser estudada e
exposta à sociedade.

O gerente do CPAD, Manoel Pedro Neto, afirmou que o TJ-AM já havia se
interessado pela restauração de documentos históricos após o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e o Incra publicarem portaria recomendando a
recuperação dos registros da Amazônia Legal. Em 2010, durante uma
correição na comarca de Humaitá, que teve como foco a fiscalização de
processos, o escrivão da cidade Hildeberto Macedo apresentou à equipe
um livro com páginas amareladas e em franca deterioração.

Hildeberto se mostrou preocupado com a preservação do documento que
havia sido usado na cidade há 130 anos, em 1880. As páginas do livro
ainda tinham valor jurídico, especialmente os registros que se
referiam aos imóveis.

Os técnicos do TJ-AM, ao entrarem em contato com o material, tinham
dificuldade para ler os registros porque a escrita e a gramática do
final do século 19 era bem diferente da adotada hoje pela Língua
Portuguesa. Mas, Hildeberto, de tanto consultar aquelas páginas,
decifrava com facilidade as escrituras

O gerente do CPDA disse que, ao receber o livro, o Arquivo do TJ-AM
entrou em contato com o Arquivo Nacional (AN) para articular a
recuperação do documento. Em 2011, dois livros de registros de Humaitá
foram enviados ao AN e seis meses depois voltaram completamente
restaurados com suas respectivas microfilmagens e digitalizações. O
original ficou no Arquivo do TJ-AM e raramente é manuseado para que
seja conservado em bom estado. As cópias digitalizadas estão
disponíveis na comarca de Humaitá e no TJ-AM.

Veneno
O manuseio do livro de registro de Humaitá foi delicado porque as
páginas estavam, além de deterioradas pelo tempo, envenenadas.

De acordo com o gerente do CPAD, Manoel Pedro Neto, o escrivão
Hildeberto ao entregar os livros antigos avisou que um escrivão antes
dele, no afã de livrar o documento das traças, passou veneno em todas
as páginas.

Os servidores do TJ-AM manuseavam os livros usando luvas, óculos e
máscara para evitar o contato com o material tóxico. "Me lembrava as
cenas daquele filme 'O nome da Rosa' que os padres passavam veneno
para preservar os livros e as pessoas morriam envenenadas", observou
Pedro Neto.

No Arquivo Nacional, Pedro Neto repetiu a preocupação de Hildeberto
com as páginas envenenadas e o livro antes de ser restaurado passou
por criteriosa higienização.

Escravos
Os dois primeiros registros do livro de bens de 1980 de Humaitá são
referentes a escravos. No primeiro, em 27 de fevereiro de 1880,
Francisco Botelho concedeu liberdade a "um escravo de nome Faustino".

Embora não se saiba quem foi Francisco Botelho, sabe-se que a família
do governador Álvaro Botelho (década de 30 do século 20) tem raízes em
Humaitá.

O segundo registro trata de um negócio menos nobre, porém comum na
época: a venda de uma escrava de 19 anos. A negociação entre as
senhoras Soares Serfaty e Antonia Jezus descrevia Cândida, assim:
"preta solteira, filiação desconhecida, da Província do Maranhão".

Entre o material restaurado, há ainda registro de um escrivão chamado
Francisco Plínio Coelho, que pode ser o pai de Plínio Ramos Coelho,
que foi governador do Amazonas entre 1955 e 1959.

Fonte: http://acritica.uol.com.br/noticias/Manaus-Amazonas-Amazonia-Tribunal-Justica-recupera-documentos-escravidao_0_925107482.html

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