Um terço do eleitorado não quer PT nem PSDB, diz cientista político

Para o cientista político Fernando Abrucio, o recorde de eleitores sem candidato
a essa altura da disputa –30% que declaram branco, nulo ou indecisão, segundo o
Datafolha– é sinal de um problema da campanha de Eduardo Campos, o pré-candidato
à Presidência do PSB.
 
Abrucio entende que esse eleitorado está sedento por um nome que não seja nem do
PT nem do PSDB. Mas Campos, segundo sua visão, está sendo incapaz de se colocar
como essa terceira via.
 
Quase um terço do eleitorado não tem candidato, um recorde. Tem alguma hipótese
para explicar isso?
 
Há um conjunto grande de eleitores que não quer nem PT nem PSDB. As
manifestações de junho de 2013 mostraram algo que algumas pesquisas qualitativas
já vinham mostrando. Isso voltou. Explica esses 30% de indecisos, brancos e
nulos.
 
Ficam assim até a eleição?
 
Difícil dizer. A dúvida é saber se Eduardo Campos vai conseguir pegar esse
eleitor, que eu acho que é próximo de um terço do eleitorado. Teria que aparecer
uma candidatura capaz de liderar esses, digamos, eleitores de terceira via. Mas
por enquanto o Eduardo não conseguiu. E não está construindo um caminho para
conseguir. O candidato do PSOL (Ranfolfe Rodrigues) também não. Não é um nome
muito carismático.
 
Em eleições passadas havia candidato de terceira via, mas não tinha eleitor.
Agora tem eleitor de terceira via, mas não tem candidato. É isso?
 
Houve mesmo várias tentativas. Cristovam Buarque, Heloísa Helena, Ciro Gomes. Há
um bipartidarismo presidencial desde 1994. Algo próximo de 60% do eleitorado
acompanha esse bipartidarismo. PT e PSDB, portanto, ainda têm uma legitimidade
que não é pequena. Mas o que vem crescendo são os que não querem nem PT nem
PSDB.
 
Quais são os desafios para se tornar o nome de terceira via?
 
Primeiro, discurso. Eduardo e Marina não conseguiram achar. Segundo, vitrines
regionais. Há um grande conflito no PSB entre formar bancada no Congresso ou
marcar posição na eleição presidencial mesmo perdendo cadeiras no Congresso. Não
tem jeito. Se o PSB não lançar candidatos no Rio, em São Paulo e em Minas –nomes
que representem algo diferente de PT e PSDB, mesmo se for para perder–, Eduardo
não terá como fazer discurso de terceira via. Não adianta ir com Geraldo Alckmin
[PSDB, em SP], Pimenta da Veiga [PSDB, MG] e Lindbergh Farias [PT, RJ]. O
eleitor não vai reconhecer a terceira via.
 
O que mais dá para dizer do eleitorado sem candidato?
 
É um eleitor esperando candidato. Os 30% podem ser altos, mas a gente não sabe
bem quão alto é. No fim, se não tiver esse nome de terceira via, podem anular,
votar em branco ou nem comparecer. Mas, no limite, uma parte vai para Aécio e
Dilma. Hoje, do jeito que a campanha do Eduardo está, fica difícil votar nele.
Se não tem discurso diferente e anda com os mesmos, por que votar nele?
 
PT e o PSB estão mantendo fora da eleição seus nomes mais competitivos, Lula e
Marina. Isso também explica?
 
Com Marina e Lula, claro que teria menos brancos e nulos. Acho mais difícil para
o Lula substituir a Dilma do que para a Marina substituir o Eduardo. Porque a
Dilma é a incumbente, é sua reeleição. Mas não dá para descartar. Se cair abaixo
dos 30% ou se resolver desistir, Lula volta. E ganha, com todo o recall. Já
Marina estaria colada em Aécio na pesquisa. Aí a vida do Aécio estaria bem mais
difícil, com campanha mais agressiva. Ele tem tomado decisões tranquilas nas
últimas semanas por causa disso. Eduardo tem sido o candidato que o Aécio
sonhou.
 
O Datafolha mostrou que Dilma, Aécio e Campos variaram para baixo. Como avaliar?
 
Foram duas notícias boas para a oposição e duas ruins. As boas são que a Dilma
já caiu faz tempo daquele piso que ela imaginava ter. O temor agora é que caia
para 30%. A segunda é que embora os eleitores que saem da Dilma não optem
imediatamente pela a oposição, isso pode ocorrer com a propaganda política na
TV. Tem um espaço que pode ser aberto.
 
E as más para a oposição?
 
A primeira é que o Lula ainda é um grande eleitor. Os que declaram votar "com
certeza" em alguém apoiado por ele (36%) e os que "talvez" votariam (24%) são
muitos. Então pode recuperar um pouco a Dilma. A segunda, na verdade é pior para
o Eduardo do que para o Aécio, é essa enorme dificuldade para pegar o eleitor de
terceira via.
 
Por que pior para Campos?
 
No plano regional, os três estão fazendo a mesma política: buscando TV e
palanques. Isso é razoável para Dilma e Aécio, eles são os nomes do sistema. Já
quem quer sair como candidato de fora do bipartidarismo não pode fazer o mesmo
jogo. É facilitar a via para uma bipolarização.
 
Qual deveria ser a estratégia de Campos?
 
A chance dele é chegar próximo do Aécio no fim do primeiro turno e então pegar
um voto útil. Já vi pesquisas que, de fato, mostram isso. E a oposição comemora.
Mas só tem um detalhe: ele precisa chegar próximo do Aécio. Se não chegar, não
tem voto útil. A Marina pode parecer sonhática, distante da "realpolitik", mas
nisso ela fez um diagnóstico correto. Diz que no Rio, em São Paulo e em Minas é
preciso ter candidatos que demarquem diferença com PT e PSDB.
 
E as dificuldades do Aécio?
 
Seus problemas têm a ver com o PSDB. Nordeste é uma situação desgraçada, um
eleitorado muito grande, mas em alguns lugares eles não têm nada. Nem como ir.
Tem também uma novidade, o pastor do PSC (Everaldo Pereira), que vai pegar um
voto mais de direita que poderia ir para o PSDB. Antes, esse eleitor não tinha
candidato e ia de PSDB. Agora pode ir para o pastor e ele ser um fenômeno como o
Enéas em 1994 [que acabou em terceiro lugar].
 
A vida do próximo presidente será mais difícil?
 
Assumirá com boa parte da população descontente com o sistema político. Isso não
aconteceu com FHC, Lula e Dilma. O próximo presidente, para construir
legitimidade, vai ter de trabalhar mais que os anteriores. Num contexto em que
precisará fazer um ajuste nas contas do Estado.
 
O que explica esse mau humor geral? É justificado?
 
Acho que há uma dissonância entre a melhoria da sociedade brasileira e a
melhoria do sistema político. Um paradoxo. Sem dúvida, foram PT e PSDB que
melhoraram o país. Mas eles não foram capazes de melhorar o sistema político na
mesma medida. Então o sucesso agora gera essa pressão. Outra coisa: Lula é uma
liderança muito importante, mas o PT precisa ter outras lideranças. O PSDB
também. Não pode ter só dois candidatos eternamente em todas as eleições de São
Paulo. Não pode ficar sem nome no Rio. Renovar.
 
Outra pesquisa recente mostrou que cresce o apoio à não obrigatoriedade do voto.
 
Sou contra o voto facultativo. Acho que a gente ainda tem de conquistar uma
série de avanços antes. Há dois exemplos muito citados na ciência política
mundial. Nos EUA, quem não vota é pobre, negro e latino. E regras vão sendo
criadas para que votem cada vez menos.
 
O Brasil ainda tem uma desigualdade muito grande, e isso pode ser um perigo. O
outro caso é na União Europeia, a maioria com voto facultativo. Estão produzindo
excrescências políticas muito grandes. Assusta olhar o caso francês. Quero ver
se na próxima eleição os franceses irão optar por passar seu dia de voto na
praia, e aí a família Le Pen vai para o segundo turno.
 
E o princípio do voto facultativo?
 
Temos que discutir qual é a ideia de cidadania e voto. Senão pode cair num
princípio completamente individualista. A defesa absoluta do voto facultativo é
acreditar que o cidadão é um mero consumidor, e a política é um conjunto de
prateleiras no mercado. Eu não acredito nisso.
 
Como tem visto a onda de protestos que vem desde 2013?
 
Greves dos sindicatos são naturais. Aproveitar a véspera de Copa e ganhar um
dinheirinho, né? (Risos.) Deve ter mais em setembro, véspera da eleição.
Novidade é o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). Esses impressionam.
Estão conseguindo rediscutir a política do Minha Casa, Minha Vida, chamando a
atenção. Podem conquistar espaço real na política de habitação do PT, que atua
numa área que nunca teve organização social.
 
E o Movimento Passe Livre?
 
O MPL conseguiu baixar as tarifas do transporte, grande vitória, sem dúvida. Mas
é mais difuso. Em transporte não tem como controlar o grupo de beneficiários.
Então para eles é bem mais difícil fazer um debate sobre transporte para além da
redução da tarifa. Não têm como mobilizar. Tanto que a ideia de tarifa zero não
andou. Pressionaram o sistema político, mas não vão muito mais longe. E
ideologia sem partido tem validade curta. O MTST é bem mais pragmático: organiza
quem não tem casa.
 
Ricardo Mendonça
 
Folha de S. Paulo
 Editado por Folha Política
 
Fonte: http://www.folhapolitica.org/2014/06/um-terco-do-eleitorado-nao-quer-pt-nem.html

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