A desnutrição do SUS

13/1/2014 18:20
Por Hermann Hoffman, de Havana
 
O Brasil, sede da Copa do Mundo, testemunhou, no ano de 2013, vários acontecimentos no setor da saúde, em resposta à insuportável situação de doença que investe nos brasileiros.

Vale ressaltar que, ainda assim, o tema da saúde pública continua à margem de uma agenda governamental séria.É claro que o SUS está um pouco mais fortalecido, pois as iniquidades em saúde diminuíram, a garantia de acesso a serviços de qualidade aumentou e uma parcela dos brasileiros confia mais no sistema, entretanto, para as velhas aspirações do setor, inspiradas na Reforma Sanitária, o saldo das mudanças do ano que findou é discretamente positivo, por isso se o SUS assim seguir, mais que carecer, vai enfim perecer, cedo ou tarde.
Os desafios são numerosos e repetitivos, ano após ano. O primeiro e mais pecaminoso é a inércia do governo ante as despesas destinadas à saúde pública. O sistema, não sabemos como, sobrevive num estado de desnutrição crônica de financiamento com uma sintomatologia clara.
 
Os serviços operam com uma ineficácia e uma ineficiência capitais. Aliado a esse estado mórbido, o quadro tornou-se mais grave quando a Medida Provisória 619 "perdoou" os planos e seguros de saúde da exigência de remuneração de dívidas tributárias e os exonerou do pagamento do PIS e Cofins.
 
Uma tentativa de saída, já cogitada, poderia ser a redução da remuneração dos títulos da dívida pública e a elevação das alíquotas, estabelecendo assim novas contribuições para os segmentos que têm feito pouco ou nenhum sacrifício contributivo.
 
Por toda essa caridade do governo para com o sistema de saúde privado e, sem esquecer a diversidade de critérios incompreensíveis para a alocação de recursos federais, é que muito se perde em transparência e pouco se ganha em precisão. Por isso, não foi de se estranhar que os mais de dois milhões de assinaturas, para aumentar os recursos da saúde e potencializar a aprovação da PLP 321/2013, acabaram representando apenas nomes anônimos rabiscados em folhas brancas.
 
Segundo esse mesmo caminho retrógrado do financiamento, põe-se em evidência o controle social. A participação comunitária continua modestamente deliberativa como fruto da herança histórica e cultural de uma sociedade tolhida e controlada por interesses particulares, políticos eleitoreiros.
 
Por outro lado, nem tudo está perdido. O tema mais importante pautado em 2013, e que tem protagonismo vital para o SUS é o direito a saúde e sua efetivação. Assim, devido ao impacto do Programa Mais Médicos (esse que quase reduziu a agenda da saúde a um único ponto de pauta) e das manifestações populares, a saúde configurada como direito de todos e dever do Estado não chegou a cair no rol do esquecimento e da obsolescência pelos poderes constituídos da soberania nacional.
 
No entanto, é necessário se reconhecer a debilidade de um poder que se autoproclama bastião da moralidade, o Judiciário. Quando o tema é a saúde pública, esse poder expõe-se com o diagnóstico de demência senil na compreensão da amplitude do que é o sentido real do direito à saúde, tanto quanto o Executivo e o Legislativo, devido principalmente à inexperiência dos operadores do direito no tratamento jurídico das políticas públicas de saúde. Também, muitos dos magistrados que dizem resguardar os benefícios sanitários para toda a sociedade, estão caducos e distanciam-se de um movimento genuinamente popular, a Reforma Sanitária, e apenas reproduzem o velho caráter verticalizado que não transcende princípios nem dá garantia à efetivação da Lei.
 
O funcionamento da máquina da saúde pública no Brasil é complexo, porém quem tem consciência e coragem deve navegar no seio dessa própria engrenagem. Assim devem agir aqueles que determinam o rumo da saúde.
 
Se os poderes trabalharem harmonicamente neste ano e atuarem positivamente na execução de políticas que visem principalmente à efetivação do direito à saúde, travando embates sérios entre a situação atual e a busca de soluções que possam equacionar o financiamento a partir da criação de parâmetros reais, definindo a participação de cada ente federativo e criando mecanismos que auditem de maneira confiável as despesas de Estados e municípios com a saúde, se poderá dizer que o sistema estará funcionando.
Por fim, somente com vontade política e humana o discurso das tímidas mudanças poderá abrir caminho para a caravana que anunciará a revolução sanitária no Brasil, onde cada brasileiro terá o orgulho e o direito garantido de dizer: o SUS é meu, é seu, é nosso.
 
Hermann Hoffman, sergipano, interno em Medicina em Havana.
 
Fonte: http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/a-desnutricao-do-sus/677174/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20140114

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