Telex Free: o golpe do século

Enviado por luisnassif, seg, 11/03/2013 - 11:49

Autor:
Luis Nassif
Nos próximos dias, provavelmente, o esquema de pirâmide da TelexFree
será desbaratado e seus mentores detidos. É possível que seus bens
(visíveis) sejam bloqueados. Mas terá sido em vão para mais de um
milhão de pessoas que caíram no mais abrangente golpe financeiro da
história do país. Apenas em 2012, o esquema movimentou R$ 300 milhões.

Durante semanas o Ministério Público ficou discutindo se o tema era da
alçada federal ou estadual. A Polícia imersa em indagações se era
crime contra a economia popular, portanto afeita à Polícia Civil, ou
crime mais abrangente, de responsabilidade da Polícia Federal.

Enquanto pipocavam notícias de todo o país, de famílias vendendo até
casa própria para aplicar no golpe, o Banco Central indagava-se se
deveria entrar na parada, já que a TelexFree mexe com poupança popular
mas não é uma instituição financeira. E a CVM (Comissão de Valores
Mobiliários) dizia que, só após provocada, faria alguma manifestação.
Desde janeiro a Secretaria Nacional de Direito do Consumidor está
perdida, analisando um produto que é auto-definível: basta analisar o
modelo de vendas para saber se é golpe.

Na era da Internet, há necessidade de se montar procedimentos rápidos
para evitar a explosão dos prejuízos populares. Para tal, é importante
entender como foi montado o golpe

Os golpes clássicos com pirâmide

Os golpes com pirâmides são antigos e obedecem, quase sempre, à mesma lógica.

1. Escolhe-se um produto qualquer . E monta-se uma primeira lista de
supostos vendedores com 10 nomes. Como o trapaceiro está iniciando o
processo, provavelmente os 9 primeiros nomes da lista são clientes
fantasmas, criados por ele.

2. As dez pessoas que receberam a lista, pagam o bônus para o primeiro
da lista. Depois, montam uma nova lista, na qual o primeiro nome é
excluído e a pessoa coloca o seu próprio nome no 10o lugar.

3. A nova lista é vendida para novas dez pessoas que pagam o primeiro
da lista e montam novas listas, incluindo seu nome no 10o lugar. E o
nome de quem vendeu para elas no 9o lugar.

4. Portanto, a primeira pessoa a quem a lista foi vendida terá que
esperar nove rodadas, antes de começar a receber o retorno.

5. Quando chega sua vez, os primeiros compradores conseguem ganhar bom
dinheiro, à custa dos que entraram depois. Cria-se a fantasia de que
todos ficarão ricos. Ocorre que o crescimento da pirâmide é
insustentável. Chegará uma hora em que não haverá mais incautos para
adquirir a pirâmide e ela quebrará, deixando grande parte dos usuários
no prejuízo bravo. Estudos estatísticos estimam que, em cada pirâmide,
88% dos participantes perderão dinheiro.

Uma corrente na qual o membro do grupo precise vender para 10 pessoas,
na 5a rodada exigirá 100 mil pessoas para não quebrar. Na 7a rodada,
10 milhões de pessoas. Na 10a rodada, 10 bilhões de pessoas.

Os golpes da pirâmide, ou corrente da felicidade, são antigos no
Brasil. No caso de golpes, o produto ofertado pouco importava. A
receita da corrente consistia no pagamento efetuado pelos novos
aderentes aos que entraram primeiro.

Nos anos 60, houve uma corrente famosa com LPs de Johnny Mathis. E
outra com sapatos Samello. Em 2006, a Irlanda foi vítima do golpe da
pirâmide.


O esquema Ponzi

O mais famoso golpe da pirâmide do século passado foi o "esquema
Ponzi", criado pelo criminoso norte-americano Charles Ponzi. Imigrante
italiano, Ponzi chegou aos Estados Unidos em 1910. Descobriu que selos
de carta de outros países poderiam ser utilizados nos Estados Unidos –
e eram mais baratos. Montou uma pirâmide, então, para vender selos
estrangeiros nos Estados Unidos.

Em fevereiro de 1920, o esquema tinha lhe rendido US$ 5 mil; em março,
US$ 30 mil; em maio US$ 420 mil; em julho US$ 1 milhão. Foi uma febre
que se espalhou por todos os Estados Unidos, levando famílias a
venderem suas casas para entrar no jogo.

A corrente quebrou, Ponzi foi detido, pagou fiança e fugiu para o Rio
de Janeiro, onde terminou seus dias como representante de linhas
aéreas. Morreu em 1949, em um hotel para indigentes no Rio.


O esquema Madoff

O esquema Bernard Madoff foi mais sofisticado, pegando apenas
milionários. Sua empresa oferecia oportunidade de investimentos que
rendiam 1% ao mês - alto para os padrões internacionais, não tão alto
que pudesse despertar suspeitas de golpe. Os fundos de Madoff não
pagavam rendimentos todo mês. Os investidores acoampanhavam o saldo
através de extratos. Só obteriam o saldo completo se resgatassem o
dinheiro e saíssem do fundo.

Com os recursos que ia recebendo de novos clientes, Madoff ia pagando
clientes que saíam da corrente.

Esses recursos eram administrados por um fundo não ligado diretamente
ao banco de Madoff, para ficar ao largo da fiscalização das
autoridades.

Estourou em 2009, levando prejuízo a muitos investidores, inclusive a
brasileiros. No Brasil, seu fundo eram vendido pelo Banco Safra e pelo
Santander.


O esquema Boi Gordo

O último grande golpe de pirâmide no Brasil foi o das Fazendas
Reunidas Boi Gordo. Foi montada por Paulo Roberto de Andrade, de Santa
Cruz do Rio Pardo.

Historicamente, a engorda de bois rende 10% em 18 meses. A Boi Gordo
oferecia aos investidores a possibilidade de ganhos de 38% ao ano.

Era o velho esquema da pirâmide, na qual o dinheiro dos que entravam
bancava os investimentos dos primeiros que entraram no jogo.

A diferença da TelexFree é que, no caso da Boi Gordo, havia alguns
ativos - fazendas e rebanhos - de garantia, embora insignificantes
perto do rombo que deixou no mercado. O prejuízo atingiu 30 mil
clientes. Até abril de 2004, chegava a R$ 2,5 bilhões


O esquema TelexFree

O golpe da TelexFree só no ano passado pode ter movimentado R$ 300
milhões. Se a Polícia Federal não atuar rapidamente, o golpe poderá
ser de US$ 1 bilhão.

Esse golpe foi montado inicialmente no Brasil, com características
próprias da era da Internet. Depois, conseguiu-se um parceiro
norte-americano. O cabeça da operação foi o empresário capixaba Carlos
Wanzeler.

O golpe se valeu de um modelo de marketing denominado de "multinível"
- que é legítimo e adotado por empresas respeitáveis.

Trata-se de um modelo de vendas porta-a-porta, na qual há espaço para
dois tipos de vendedores: o vendedor comum, que recebe um percentual
sobre o que vende; e o chefe de equipe, o vendedor que logrou montar
uma equipe trabalhando por ele, que recebe pelo que vende e pelo que
vendem seus seguidores.

O que diferencia uma empresa séria da golpista é a receita auferida
com a venda final do produto. Quando a remuneração de todos é função
direta da venda de produtos, o modelo é auto-sustentável. Quando a
forma de remuneração é o pagamento de quem entra, e a manutenção da
rede depende do crescimento exponencial dos participantes, é golpe.

No caso da TelexFree, o golpe - óbvio, evidente - fundou-se em duas
características da Internet.

A primeira, a de oferecer um produto que não existe fisicamente: a
possibilidade de fazer ligações de VOIP (telefone através da Internet)
pela empresa TelexFree.

A corrente consiste em colocar anúncios na Internet vendendo os
serviços da TelexFree. Cada anúncio acarretaria um ganho de US$ 20,00
para o vendedor.

De cara, há dois furos evidentes. O fato de que anúncios em Internet
custam muito menos do que US$ 20,00 e o total descasamento entre o
faturamento da empresa de VOIP e o volume de vendas de anúncios.

Teoricamente, o faturamento das novas assinaturas de VOIP deveria
bancar o lucro dos vendedores. Hoje em dia, o VOIP é oferecido por
gigantes, como o Skype (da Microsoft), Google e Facebook. Uma conta
Premium do Skype não sai por mais que US$ 5 dólares mês. Já a
assinatura da TelexFree é de US$ 50. Ou seja, a empresa tem um produto
que jamais competirá no mercado.

No entanto, a quadrilha valeu-se da segunda característica da Internet
- a rápida propagação de informações -, para montar esquemas em várias
partes do mundo. Acabou tornando-se uma franquia para trapaceiros de
várias nacionalidades, a maior parte dos quais do Brasil.

Como o norte-americano James Merril entrou na história

O modelo da pirâmide TelexFree foi inteiramente desenvolvido por
Wanzeler, através do site Disk à Vontade, já vendendo as ligações VOIP
em 2009.

A dificuldade maior dos golpistas era passar credibilidade em relação
ao negócio.

Quando percebeu a potencialidade do golpe, Wanzeler resolveu
sofisticar. Localizou uma empresa norte-americana especializada em
VOIP, a Commons Cents Communications, aproximou-se do dono James
Merril, e entrou como sócio da companhia.

No site da empresa (www.telexfree.com) informa-se que ele entendeu a
potencialidade do negócio quando conheceu brasileiros. No Brasil,
Merril passou a ser apresentado como o gênio do marketing multinível e
da VOIP.



O blog "Meu Dinheiro em Casa" fez um belo levantamento sobre o
registro da empresa nos Estados Unidos.

Descobriu que, no registro da TelexFree nos Estados Unidos, pela
Secretary Commonwealth Corporations Division (SEC), 1) a empresa se
chamava Commons Cents Communications e foi alterada para Telexfree em
15/02/2012. 2) A empresa original não era de marketing multinivel (a
especialização das empresas de marketing que trabalham com sistemas
semelhantes, mas em cima de produtos reais). 3) No registro, Merril
aparece como presidente. Mas o golpista brasileiro, Wanzeler, dono da
Disk à Vontade e da Ympactus, é tesoureiro e diretor.

As conclusões do blog foram taxativas:
•A Telexfree jamais existiu como marketing multinível nos Estados Unidos
•O contrato é claramente celebrado entre o divulgador e a Ympactus
Comercial LTDA e não com a Telexfree INC.
•Se a Ympactus pertence a Carlos Wanzeler e ele é um dos
proprietários da Telexfree INC e da Disk a Vontade, ele é o principal
mentor do negócio.
•Disk a Vontade, Ympactus e Telexfree são a mesma coisa, apesar de
não o ser juridicamente.

No entanto, a parceria com o norte-americano acabou fornecendo a capa
de credibilidade de que o esquema necessitava no Brasil.

No site, a TelexFree é apresentada como uma multinacional norte-americana.



Tempos depois, a Gazetaonline descobriu que o prédio americano era um
local de escritórios virtuais, no qual o TelexFree tinha apenas um
endereço. Esses escritórios alugam endereços para empresas e locam
salas para reuniões esporádicas.

Os esquemas de vendas

Todas as pirâmides tradicionais das últimas décadas - venda de ouro,
Boi Gordo, Avestruz Master - contaram com a mesma estrutura de
vendedores, em geral pequenos picaretas de mercado, dispostos a vender
qualquer coisa.

Nos últimos anos, a Internet abriu espaço para aventureiros mais
atrevidos, em geral ligados a esquemas de bingos ou de olho em novos
negócios obscuros que aparecem de quando em quando.

Em cima da suposta parceria com uma "multinacional, a empresa montou
seu esquema de divulgação na Internet, com vídeos, por si só,
demonstrativos da baixa qualidade dos golpistas.



Para iludir os incautos, a empresa colocou na Internet alguns
documentos banais, passando a impressão de ser uma atividade
legalizada, como uma Certidão Negativa de débitos contra a União da
empresa Ympactus, titular do golpe no país.

Em seguida, graças à Internet, foram se acoplando ao golpe diversos
grupos espalhados pelo Brasil inteiro, constituindo, provavelmente, a
mais extensa rede de golpistas que o mundo já viu. Picaretas de toda
sorte, junto com incautos, abriram sites na Internet, usando o nome
TelexFree na URL, entrando nos mais distantes rincões do país,
espalhando vídeos e sites pela Internet. Surgiram
www.suportetelexfree.com.br, www.brasiltelexfree.com.br e outras.


A guerrilha na Internet

Para impedir as denúncias pelo Google, a quadrilha recorre a dois tipos de ação.

A primeira foi bombardear os blogs que denunciavam o esquema através
de ataques DoS. Os ataques tomavam como base os links no Google. Os
dois primeiros links, aliás, eram do meu Blog e do Acerto de Contas,
do Pierre Lucena, denunciando o golpe - no meu caso, republicando o
artigo do Lucena.

A segunda ação consistiu em inundar o Google e o Youtube com conteúdos
utilizando a palavra "denúncia", mas levando a vídeos enaltecendo o
trabalho da quadrilha.

Graças ao esquema de franquia, diversas subquadrilhas entraram no
jogo, misturadas a incautos, dificultando a identificação e o
mapeamento dos diversos elos. Com tantos empreendedores associados, a
Internet ficou abarrotada de publicidade do grupo.



O trabalho do governo

Informações dos leitores do Blog indicam que o esquema entrou nas mais
distantes cidades no país, chegou a Portugal e começa a entrar na
Inglaterra.

Há vários elos da quadrilha em todo lugar. Ao mesmo tempo, muitos
incautos misturados ao grupo.

O trabalho da Polícia Federal deverá ser mapear os elos da corrente,
identificar os cúmplices, separar os incautos e acionar a Polinter, já
que o golpe envolve vários países em um sistema em que o dinheiro pode
ser transferido para paraísos fiscais em dois tempos.

Mas é evidente a lentidão dos órgãos de controle. Desde janeiro a
Secretaria Nacional de Direito do Consumidor está analisando o golpe.
Ora, bastaria uma mera análise do modelo de venda para constatar o
golpe. O passo seguinte seria interromper imediatamente a corrente. Só
então, partir para as investigações e para a responabilização penal
dos transgressores.

Mas enquanto a malandragem voa pela Internet, o aparelho regulador
anda de máquina de escrever.

Fonte: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/telexfree-o-golpe-do-seculo

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