Alimentos são jogados fora enquanto morre gente de fome

7/1/2013 14:51
Por Redação, com Adital - de Lisboa

Vivemos em um mundo de abundância. Hoje se produz mais comida do que
em nenhum outro período na história. A produção alimentar se
multiplicou por três desde os anos 60, enquanto que a população
mundial, desde então, somente se duplicou. Há alimento de sobra. Mas
870 milhões de pessoas no planeta, de acordo com indicações da FAO,
passam fome e 1 milhão e 300 mil toneladas de alimentos são
desperdiçadas anualmente no mundo, um terço do que se produz.
Alimentos para comer ou para jogar fora, esta é a questão.

No Estado espanhol, de acordo com o Banco de Alimentos, são jogados
fora, a cada ano, 9 milhões de toneladas de alimentos em boas
condições. Na Europa este número aumenta para 89 milhões, de acordo
com um estudo da Comissão Europeia: 179 quilos por habitante e por
ano. Um número que, inclusive, seria muito superior se o referido
relatório incluísse também os resíduos de alimentos de origem agrícola
gerados no processo de produção, ou os descartes de pescados jogados
ao mar. Realmente, calcula-se que na Europa, ao longo de toda a cadeia
agroalimentar, do campo aos lares, até 50% dos alimentos saudáveis e
comestíveis se perdem.

Resíduos e desperdício contra a fome e a penúria. No Estado espanhol,
uma em cada cinco pessoas vive abaixo da linha inicial da pobreza, 21%
da população. E de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, em
2009 se calculava que mais de um milhão de pessoas tinham dificuldades
para comer o mínimo necessário. Nos dias de hoje, independente dos
números oficiais, a situação, sem dúvida, é muito pior. Na União
Europeia, são 79 milhões de pessoas que não superam a linha inicial da
pobreza, cerca de 15% da população. E destes, 16 milhões recebem ajuda
alimentar. A crise converte a sub-cotação em um drama macabro, onde,
enquanto milhões de toneladas de alimento são desperdiçadas
anualmente, milhões de pessoas não têm o que comer.

E, como e onde se joga fora tanta comida? No campo, quando o preço
caem abaixo dos custos de produção, ou quando o produto não cumpre com
os critérios de tamanho e aspecto exigidos, é mais barato ao
agricultor jogar fora do que colher os alimentos produzidos. Nos
mercados em atacado e nas centrais de compra, onde os alimentos devem
passar por uma espécie de "competição de beleza" correspondendo aos
critérios estabelecidos, principalmente, pelos supermercados. Na
grande distribuição (super e hipermercados), que requerem um número
elevado de produtos para ter as prateleiras sempre cheias, embora mais
tarde expirem e tenham que ser descartados, onde ocorrem erros na
preparação dos pedidos, há problemas de embalagem e deterioração de
alimentos frescos. Em outros pontos de venda no varejo, como os
mercados e as lojas, em que o que não se pode vender é jogado fora.

Nos restaurantes e bares, onde 60% do desperdício são consequência de
uma previsão mal feita, 30% ao preparar as refeições e 10% são sobras
dos pratos dos comensais, de acordo com um relatório elaborado pela
Federação Espanhola de Hotéis e Restaurantes. Nos lares, quando os
produtos se estragam porque compramos a mais do que necessitamos,
deixando-nos levar pelas ofertas de ultima hora (tipo 2×1), ou por não
saber interpretar a rotulagem confusa, ou pelos pacotes que não são
adaptados às nossas necessidades.

O desperdício alimentar tem diversas causas e responsáveis, mas,
basicamente, trata-se de um problema estrutural e de fundo: os
alimentos se tornaram mercadorias de compra e venda e sua função
principal, nos alimentar, ficou em segundo plano. Desta maneira, se o
alimento não cumpre determinados critérios estéticos, sua distribuição
não é considerada rentável, se deteriora antes do tempo….. é
rejeitado. O impacto da globalização alimentar a serviço dos
interesses da indústria e dos supermercados, promovendo um modelo de
"agricultura quilométrica", dependente do petróleo, deslocalizada,
intensiva, que fomenta a perda da agrobiodiversidade e do campesinato
…, tem uma grande responsabilidade. Pouco importa que milhões de
pessoas passem a fome. O fundamental é vender. E se você não pode
comprar não conta.

Mas, o que acontece se você tentar coletar o alimento excedente? Ou
você pode encontrar o recipiente fechado com chave, como acontece em
Girona com os depósitos na frente dos supermercados, alegando o alarme
social diante do fato de que cada vez mais pessoas coletam alimentos
dos lixos. Ou você pode enfrentar uma multa de 750 euros se remexer
nos recipientes de Madrid. Como se a fome ou a pobreza fossem uma
vergonha ou um crime, quando o vergonhoso e delinquente são as
toneladas de alimentos que são jogadas fora diariamente, fruto das
exigências do agronegócio e dos supermercados, e que contam a
aprovação das administrações públicas.

Os supermercados nos dizem que doam os alimentos aos Bancos de
Alimentos, em uma tentativa de "lavar a cara". Entretanto, de acordo
com um estudo do Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio
Ambiente, somente cerca de 20% o fazem. E esta, além disso, não é a
solução. Dar comida pode ser uma resposta de emergência, uma atadura
ou um torniquete, baseada na ferida, mas é essencial chegar à raiz do
problema, às causas do desperdício, e questionar o modelo
agroalimentar pensado não para alimentar as pessoas, mas para dar
lucro a poucas empresas.

Vivemos em um mundo de paradoxos: gente sem casa e casas sem gente,
ricos mais ricos e pobres mais pobres, desperdício versus fome.
Dizem-nos que o mundo é assim e que é má sorte. Apresentam-nos a
realidade como inevitável. Mas não é verdade. Uma vez que, o sistema e
as políticas se digam neutras e não são. Têm uma inclinação ideológica
e reacionária: procuram o benefício, ou agora a sobrevivência, de
poucos à custa da grande maioria. Assim funciona o capitalismo, também
nas coisas de comer.

* Publicado originariamente em Público.
Tradução: Roberta Sá.

Fonte: http://correiodobrasil.com.br/ultimas/alimentos-sao-jogados-fora-enquanto-morre-gente-de-fome/567120/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20130108

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