A privatização de Porto Alegre e a verdadeira face do vandalismo

8/10/2012 13:21, Por Marco Aurélio - de Porto Alegre

Na reta final da campanha eleitoral, Porto Alegre vive uma situação
paradoxal. Se, por um lado, as pesquisas dão amplo favoritismo ao
atual prefeito José Fortunati (PDT), nas ruas eclodiu um movimento
social formado basicamente de jovens protestando contra a privatização
de espaços públicos e culturais da cidade e também contra o crescente
cerceamento de espaços e tempos de lazer.


Protesto no Largo Glênio Peres terminou em repressão policial
Na quinta-feira à noite, quando Fortunati passeava tranquilamente pelo
debate da RBS, cujo formato permitiu que ele fosse questionado uma
única vez pela deputada federal Manuela D'Ávila (PCdoB) e nenhuma vez
pelo deputado estadual Adão Villaverde (PT), as duas principais
candidaturas da oposição, o protesto que iniciara no final da tarde em
frente à prefeitura terminou em choque com a polícia no Largo Glenio
Peres, na área agora sob a responsabilidade da Coca-Cola, onde estava
instalado um boneco inflável do Tatu-Bola, mascote da Copa de 2014.

Para quem não vive em Porto Alegre, as referências podem ser confusas.
A prefeitura de Porto Alegre repassou para a Coca-Cola a tarefa de
"cuidar" do Largo Glênio Peres, uma das áreas mais tradicionais do
centro da capital e espaço histórico de manifestações sociais,
culturais e políticos. Em troca de algumas "obras" no Largo, como um
insólito conjunto de chafarizes, cujo maior feito até agora foi alagar
o comício de encerramento do candidato Villaverde, a Coca Cola está
explorando publicitariamente o Largo.

A iniciativa não é isolada. Outros espaços públicos da cidade estão
sendo repassados pela gestão Fortunati para a iniciativa privada, como
é o caso do Auditório Araújo Viana, agora sob os cuidados da produtora
Opus. O ufanismo empreendedorista embalado pelas "obras da Copa"
justifica a invasão privada de espaços públicos na cidade.

Na terça-feira desta semana, uma inacreditável manchete do jornal Zero
Hora afirmava em tom de denúncia: "Norma que restringe altura dos
prédios impede a capital de crescer na Zona Norte". Como bem observou
Cristóvão Feil, no Diário Gauche, o grupo RBS perdeu todo o pudor,
reivindicando diretamente os interesses da livre especulação
imobiliária selvagem em Porto Alegre. RBS que tem um braço no setor
imobiliário chamado Maiojama.

Nos últimos anos, boa parte dos chamados formadores de opinião dos
veículos do Grupo RBS cumpre o papel de defender com denodo os
interesses comerciais e econômicos estratégicos de seus patrões,
silenciando sobre os atropelos de normas urbanísticas ou ambientais ou
defendendo abertamente tais interesses. Não foi nada surpreendente,
portanto, que surgidas as primeiras notícias sobre o confronto no
largo Glênio Peres, jornalistas da RBS já denunciassem os "vândalos"
que estavam destruindo o boneco do Tatu Bola. Alguns deles se
apressaram a associar ao episódio à destruição do relógio dos 500
Anos, durante o governo Olívio.

Mas voltemos ao paradoxo da reta final dessa eleição. Uma das razões
possíveis pelas quais Fortunati transitou com relativa tranquilidade
pela campanha eleitoral foi a não tematização dos assuntos citados
acima pelas principais candidaturas da oposição. O vazio, na política,
sempre cobra seu preço. Vazio, neste caso, causado por escolhas feitas
pelos principais partidos de oposição. Escolhas, aliás, que não se
limitam ao processo eleitoral. A crescente privatização de espaços
públicos em Porto Alegre passeia também com relativa tranquilidade
pela Câmara de Vereadores, com algumas honrosas exceções no PT e no
PSOL, insuficientes porém para gerar um debate público na cidade.

Diante da fragilidade política dos partidos, as ruas começam a
canalizar a insatisfação que vem se acumulando há alguns meses. Aí
está o paradoxo. Fortunati poderá ser eleito neste domingo com uma
fraca oposição partidária, mas já com uma forte oposição social nas
ruas.

Cabe um registro ainda sobre a ação da Brigada Militar no episódio. Os
vídeos que circularam durante todo o dia pela rede são suficientes
para expor a violência desmedida por parte dos brigadianos. Mesmo
diante de eventuais excessos por parte de alguns manifestantes, não há
nenhuma justificação para as cenas que se vê, incluindo agressões
contra quem estava filmando o episódio (o que, aliás, não é a primeira
vez que acontece). Erra o governo do Estado ao não proferir nenhuma
palavra crítica à ação da Brigada que, infelizmente, parece sempre
pronta a demonstrações de força equivocadas, contra quem deveria
proteger. Nos últimos anos, entre outras coisas, matou um sindicalista
e um sem-terra aqui no Rio Grande do Sul em função dessa truculência.
As fotos de quinta à noite mostram uma barreira de viaturas e
policiais para defender o Tatu-Bola dos "vândalos".

De fato, Porto Alegre vem sendo alvo de uma onda de vandalismo. Os
espaços públicos da cidade estão sendo privatizados. A especulação
imobiliária avança sobre áreas públicas e de preservação ambiental. A
população mais pobre está sendo empurrada cada vez mais para a
periferia. A criminalização das áreas frequentadas pela juventude é
crescente. O maior grupo midiático da cidade defende abertamente a
subordinação do interesse público aos interesses comerciais do setor
imobiliário. E as chamadas forças de segurança estão aí para defender
essa agenda e seus agentes públicos e privados. Mas as ruas começam a
opor resistência aos vândalos e ela pode estar só começando.

Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio
eletrônico: gamarra@hotmail.com)

Fonte: http://correiodobrasil.com.br/a-privatizacao-de-porto-alegre-e-a-verdadeira-face-do-vandalismo/526689/

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